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lu·to 

substantivo masculino

  1. Sentimento de tristeza profunda pela morte de alguém.

  2. Luto (acp. 1) originado por outras causas; amargura, desgosto.

  3. Tempo durante o qual devem manifestar-se certos sinais do luto (acp. 1).

  4. Conjunto de sinais externos (p.ex., negro no vestuário do mundo cristão, mas azul no Japão, branco na China etc.) que os costumes associam à perda de parente próximo ou pessoa querida.

  5. Sentido figurado: a morte.

A natureza acaba e recomeça todos os dias. Ao final do dia o céu escurece, as luzes se apagam, e por algumas horas tudo fica calmo. Quieto. Há quem entenda a noite como uma escuridão assustadora. Há quem entenda como uma hora serena. Um momento de descanso. Uma pausa antes de tentar fazer as mesmas coisas de um jeito novo.

Como todas as coisas naturais, a vida nasce, acontece e por fim, escurece. Para quem se vai, as estrelas. Mas e para quem fica?

O Prêmio “Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão” adotou, em sua 12ª edição, o tema “Retratos do Brasil na Pandemia” como guia para a produção de reportagens em grupo, realizadas remotamente por jovens estudantes de Jornalismo em todo o país. 

Responsáveis por todas as etapas, desde a delimitação das pautas, captação de conteúdos, produção e edição final de cada matéria, os alunos foram divididos em grupos e puderam se organizar de maneira autônoma e independente.

O grupo “Fora do Eixo” escolheu falar da pandemia do coronavírus sob a ótica de quem agora precisa de retratos para lembrar aqueles que foram embora. Mães, filhos, amigos e irmãos que vivem nas mesmas casas e vencem as mesmas rotinas de infinitos jeitos diferentes. A reportagem “O Vínculo Entre Nós” foi, sem sair de casa, até várias regiões do Brasil em busca de conhecer a dor e os processos de aceitação dos enlutados da Covid-19. 

O resultado você confere agora, através de relatos de familiares e depoimentos de profissionais que dão uma verdadeira lição de como transformar a dor da morte na continuação da vida.

 

FICHA TÉCNICA:

Edição de Som: Lázaro Campos Junior. 

Edição de Vídeo: Alessandra Lobato e Nayara Paiva.

Edição e Revisão de Textos: Isabella Mengelle; Bruno Chaise; Caroliny Fernandes; Isis Carvalho; João Gabriel Castro.

Narração do Podcast: Rafaela Ponchirolli e Renan Santos.

Redação: Isabella Mengelle; Mellody Oliveira; Nayara Paiva; Jênnifer Rodrigues Ramos; Lorena Castanheiro.

Reportagem: Alessandra Lobato, Bárbara Lauria; Bruno Chaise; Caroliny Fernandes; Soraia Joffely; Andressa Navarro; Rafaela Ponchirolli e Nayara Paiva.

Roteiro: Anna Furlanetto e Bruno Chaise.

Site: Andressa Navarro.

 

Mentoria: Juliana Dantas.

 

“Este material foi produzido no âmbito do 12º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão” – Instituto Vladimir Herzog.

São Paulo, Brasil, 2020.

Abre

Xingu em luto

O primeiro episódio da série “Vínculo” traz uma conversa com Tapi, indígena brasileiro, sobre a morte de seu pai, cacique Aritana, da aldeia dos Yawalapitis, na região do Alto Xingu – MT. Ele foi mais uma vítima da Covid-19. Tapi abriu uma exceção para falar com a gente: pela crença dele, evita-se falar sobre os mortos.

Mato Grosso

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Tapi e Aritana - Reprodução Instagram.jp

1. Cacique Aritana - Mídia Ninja

2. Tapi e Aritana - Reprodução Instagram

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#1 Tapi + AritanaVínculo Podcast
00:00 / 17:43

Os indígenas e a Covid-19

Os rituais e a cultura indígena podem causar estranheza à maioria das pessoas. Mas por mais diferentes que suas perspectivas sejam, há beleza na forma como outros lidam com rituais inescapáveis da natureza: e a morte é o maior deles.

A população indígena é parte indispensável da cultura e da população brasileira, e existem atualmente grupos focados em projetos sociais que acompanham a luta indígena pelo reconhecimento de sua terra e existência.

A reportagem “O Vínculo Entre Nós” conversa com Emerson Pantaleo, admirador da cultura popular e do folclore brasileiro e representante do xamanismo no Fórum Inter- Religioso da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, sobre os rituais de passagem e características culturais destes povos tão importantes para nossa identidade e história.

Xingu em luto

Conexão Nova Serrana BH

A vida só se torna significativa por ser algo efêmero. No entanto, mesmo sabendo disso, a dor da saudade não se faz menor. O segundo episódio da série “Vínculo” conta a história de Regiane Pereira a partir do relato de uma de suas irmãs, Camila Pereira. Regiane, que era do grupo de risco por causa de um transplante recente, morreu aos 35 anos, depois de ser contaminada pelo coronavírus. 

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Belo Horizonte

Regiane, de cabelo enrolado, e Camila -
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1. Regiane e Camila - Arquivo Pessoal

2. Regiane e Camila - Arquivo Pessoal

Processos do luto

Vivemos em um mundo veloz, instantâneo e imediatista. A expectativa de vida aumentou, mas nos comportamos como se isso significasse eternidade. A ciência avança e cria novos tratamentos o tempo todo, enquanto agimos como se isso significasse imortalidade. Passamos os dias na lógica produtiva e deixamos pessoas para depois, mas nos esquecemos de que o depois pode não existir, ou que a ciência pode não ser tão rápida quanto o ciclo da nossa vida.

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#2 Camila + RegianeVínculo Podcast
00:00 / 12:18

A reportagem “O Vínculo Entre Nós” conversa com Valéria Tinoco, psicóloga clínica que analisa o sentimento de perda, seus impactos comportamentais e a importância de respeitar os processos naturais do luto de quem fica.

Mais que um número

Pai, avô, marido, amigo e, além de tudo isso, parte da rotina de milhares de maranhenses. Roberto Fernandes era jornalista e comandava o programa matinal “Ponto Final”, na rádio Mirante AM, afiliada do Grupo Globo. O terceiro episódio da série “Vínculo” traz Roberto Fernandes Júnior, filho mais velho do comunicador, contando como foi o processo de perda do pai, um dos primeiros contaminados na cidade de São Luís.

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Maranhão

Mensagem do dia - Programa de Roberto Fernandes

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1. Roberto Fernandes - Arquivo Pessoal

2. Roberto Fernandes ao lado de sua esposa, filhos e netos - Arquivo Pessoal

Roberto Fernandes ao lado de sua esposa,

Suporte após despedida: a importância de viver o luto em conjunto

A pandemia trouxe muitas perdas e lidar com elas é um processo delicado. Buscamos lembrar aqueles que se foram, dar voz às suas conquistas, marcas que tiveram em nossas vidas e nos acostumarmos com a falta. A relação familiar é o vínculo mais antigo da humanidade e a perda desse laço tem impactos significativos na vida daqueles que ficam. Respeitar o luto é entender a importância de seus processos, que são inerentes a todos nós.

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#3 Roberto Jr. + RobertoVínculo Podcast
00:00 / 16:00

A reportagem ”O Vínculo Entre Nós” entrevista Clarissa Pires, psicóloga clínica e hospitalar. Com vasta experiência no tratamento do luto, ela conta sua vivência clínica durante a pandemia, revelando quais são os principais receios dos pacientes e os processos de apoio emocionais que podem ser oferecidos a eles.

Conexão Nova Serrana BH
Mais que um número

Além das etnias

A morte é a única certeza que temos na vida, mas raramente estamos preparados para ela. Não sabemos como, onde, quando, motivo e circunstâncias em que ela vai acontecer.

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São Paulo

O quarto episódio da série "Vínculo" nos leva para o estado de São Paulo, região Sudeste do país, que sofre com os maiores números de casos e óbitos confirmados.

A história é a de Lamis Mourad, advogada que conta como foi a perda de seu pai, o libanês Mahmoud Mourad, que permaneceu 44 dias internado tentando se curar da Covid-19.

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Lamis e seu pai, Mahmoud - Arquivo Pesso

1. Lamis e Mahmoud - Arquivo Pessoal

2. Lamis e seu pai, Mahmoud - Arquivo Pessoal

Grupo de apoio às perdas

A pandemia do coronavírus gerou impactos e a necessidade de novos estudos em profissões de todas as áreas. Para os psicólogos, um dos principais desafios foi o de como cuidar dos enlutados da Covid-19 e o medo que fica em quem já viu a doença de perto.

Em 2015, no Amapá, foi criado o GAP – Grupo de Apoio às Perdas, com a finalidade de acolher pessoas que perderam entes queridos e estão em processo de luto. A reportagem “O Vínculo Entre Nós” conversa com Antônio César, psicólogo integrante do grupo, sobre o novo olhar dado à pandemia e quais as implicações das novas realidades enfrentadas no combate à doença, como as sequelas dos falecimentos, a ausência dos rituais fúnebres e de acolhimento, e as novas maneiras de viver o luto pelo desconhecido.

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#4 Lamis + MahmoudVínculo Podcast
00:00 / 16:16

Do norte ao sudeste

O quinto episódio da série “Vínculo” conta a história de Danilo David, médico de 33 anos, nascido em Belém do Pará, que atuava no Rio de Janeiro e esteve na linha de frente do combate ao coronavírus.

Belém

O Brasil perdeu mais de 300 profissionais da saúde durante a pandemia. Rio de Janeiro e Pará são dois dos recordistas do número de médicos e enfermeiros entre as vítimas. Entre eles, estava Danilo. Sua história é contada por Francisca, a mãe que perdeu seu filho no Dia das Mães.

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Rio de Janeiro

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Dona Francisca, seu filho Danilo e sua s

1. Dona Francisca, seu filho Danilo e sua sobrinha - Arquivo Pessoal

2. Dona Francisca e o retrato de Danilo, por onde mata a saudade do filho  - Arquivo Pessoal

Na linha de frente contra a Covid-19

A perspectiva de quem está na linha de frente é diferente de quem pode se dar ao luxo de ter medo. Para os profissionais da saúde, o combate acontece dentro dos hospitais de campanha, criados para tentar retardar a frase que ninguém quer ouvir: “atingimos a lotação máxima das UTIs”.

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#5 Francisca + DaniloVínculo Podcast
00:00 / 11:10

A reportagem “O Vínculo Entre Nós” conversa com Felipe Flores, médico que trabalhou em um hospital de campanha do Pará, um dos estados com maior número de óbitos do país, sobre a experiência e o que era possível fazer para minimizar a solidão e o medo dos pacientes internados.

Mais de uma perda

Nas refeições da casa de Bealígia, em Manaus, hoje existem três cadeiras vazias: a da mãe, do pai e da irmã. Nossa entrevistada do último episódio da série “Vínculo” perdeu três familiares para o coronavírus em um espaço de 18 dias, e conta um pouco mais sobre como é conviver com tantos lutos simultâneos.

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#6 Bealígia + Maria + Simone + AntônioVínculo Podcast
00:00 / 12:52
Bealígia e sua família - Arquivo Pessoal
Bealígia com sua família. Somente ela e

1. Família de Bealígia. Da direita para a esquerda: Antônio (pai), Maria (mãe), Antônio (irmão), Bealígia e Simone (irmã). Somente ela e seu irmão, sobreviveram à chegada da Covid-19 em sua casa - Arquivo Pessoal

2. Da esquerda para a direita: Simone (irmã), Matheus (filho), Maria (mãe) e Bealígia - Arquivo Pessoal

Vandressa + Leivo

Vandressa é moradora de Manacapuru, interior do Amazonas, e seu pai foi um dos contaminados pela Covid-19. Durante um mês e meio a cidade de Manaus, capital do Amazonas, precisou enterrar as vítimas de Covid-19 em valas coletivas, devido ao alto número de óbitos diários causados pela doença. O pai de Vandressa, Leivo Nunes, precisou ser enterrado dessa forma.

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Manaus

Apesar de disposta a compartilhar a história, a filha de seu Leivo não se sentia preparada para conversar por telefone sobre o assunto. Ela nos entregou seu relato por escrito, contando como foi a experiência com o vírus em sua família até o dia da morte de seu pai.

“Perdi meu pai há seis meses e nunca imaginei que passaria por isso. Sempre que uma doença surgia eu ficava com medo e preocupada, mas nunca passou pela minha cabeça que meu pai seria uma das vítimas, já que a gente se cuidava muito.

Aqui em casa moravam quatro pessoas: eu, minha mãe, minha irmã e meu pai. Quando passou no jornal a primeira morte no Brasil, o meu pai chorou, porque ele era do grupo de risco e teve um problema no pulmão quando era mais novo. Tomávamos todos os cuidados possíveis e passei muito tempo sem sair de casa para nada.

Meus pais iam apenas ao supermercado e só a minha mãe entrava. Meu pai tinha muito medo, mas chegou uma semana em que o medo sumiu. Nossa rotina era a mesma de todos os dias: fazer uma receita da internet, assistir a um filme ou live de noite.

Certa noite, meu pai teve febre. Dormiu ao lado da minha mãe, e no dia seguinte foi para um quarto se isolar, porque não sabíamos o que era e ele tinha medo de contaminar a gente. Ele fez um exame para ver se era Covid-19 e deu uma alteração considerável. Chamamos um médico que disse que poderia ser H1N1, e em seguida examinou o papai para ver se tinha água nos pulmões, mas estava tudo normal.

Meu pai tomou os chás e remédios que indicaram para ele, mas a febre não passava. Ele estava em um quarto separado e só saia do quarto para ir ao banheiro, depois de ligar para avisar que ia sair do quarto e dar tempo da gente sair de perto. Aqui em casa são três quartos: o da mamãe e do papai, o da minha irmã e um quarto vago, que foi para onde ele foi quando ficou doente. No terceiro dia, eu fui dormir com a minha mãe e tinha que acordar muitas vezes na madrugada para ver se o papai estava querendo alguma coisa. Nesse dia, ele estava sentado na sala com falta de ar. Eu fui avisar a minha mãe e ela começou a passar mal, porque para ela o caso dele já era muito grave. Eu tive que me virar para cuidar dos dois: liguei para uma tia às 5h da manhã e ela veio ver a mamãe, toda equipada com medo de se contaminar. Nessa hora, o papai já estava melhor, mas a mamãe estava vomitando e com a pressão baixa. Ela foi medicada e se sentiu melhor, e uma enfermeira ligava toda manhã para acompanhar a situação.

Ficamos assim por mais ou menos quatro dias. Meu pai fez o teste de Covid-19, mas o resultado demorava a sair. No dia 27 de abril, ele começou a ter muita tosse e minha mãe estava um pouco fragilizada, mas com sintomas leves. Mais ou menos às 19h, minha mãe ligou para minha tia e resolveram chamar uma ambulância, porque meu pai se recusava a ir para o hospital, já que tinha medo de aplicarem cloroquina nele. Acabamos indo.

Ele foi medicado e estava bem, quando por volta de 2h da madrugada duas pessoas morreram ao lado dele. Isso o deixou apavorado e a pressão subiu muito. Ele mandou uma mensagem para minha tia, pedindo para ela tirar ele de lá e dizendo que queria voltar para casa, que não aguentava mais. Entubaram ele sem comunicar a família, e no dia seguinte minha mãe pediu para minha tia ir ao hospital de campanha onde ele estava para descobrir o que havia acontecido, já que meu pai não tinha mais respondido nenhuma mensagem ou ligação.

Em um primeiro momento, ninguém comunicou a gente do que tinha acontecido. Minhas tias, então, vieram aqui em casa e conversaram com a mamãe. Ela ficou em estado de choque, porque sabia que quando entubavam alguém era difícil a pessoa voltar. Meu pai foi entubado no dia 28 de abril, dia do aniversário dele. Depois disso, acompanhamos tudo através de cada enfermeira e médico que atendia ele. Eles conversavam com a minha mãe para dar as notícias.

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À esquerda Leivo, ao lado de sua filha, Vandressa - Arquivo Pessoal

Em certo momento, meu pai precisou ir para uma UTI em Manaus, e a minha mãe ficou dias atrás de conseguir. Em um domingo, um amigo dele conseguiu. Em Manacapuru não tem uma UTI móvel, então tivemos que esperar uma de Manaus buscá-lo. Ele foi transferido no dia 28 de agosto. Antes de sair daqui, o médico conversou com a minha mãe e disse que meu pai tinha grandes chances de se recuperar. Ele também disse: "se o seu marido falecer, então todos aqui nesse hospital também irão, pois ele é o melhor paciente para sobreviver." Meu tio, irmão do papai, estava esperando em Manaus. Sabia que tinha algo errado porque a viagem foi rápida demais para uma estrada não muito boa. Isso acabou com ele.

Na segunda-feira de manhã, a enfermeira que atendia o papai ligou para a mamãe e disse que iam realizar todos os exames nele. Por volta de 18h, ela ligou de novo para a mamãe dizendo que ele estava estável. Na terça-feira não tivemos notícias de manhã e durante a tarde soubemos que um rim havia paralisado, mas com grandes chances de normalizar. No final daquela tarde, a enfermeira ligou chorando para mamãe. Meu pai não tinha resistido.

Foi a coisa mais difícil que já aconteceu comigo. No mesmo dia tivemos que enterrar meu pai às pressas. O corpo chegou por volta de 3h da manhã. Não pudemos ter velório.

Eu nunca falei muito sobre isso com ninguém. Não tive muito como sofrer já tive que ser o apoio da minha mãe. As pessoas chegavam e não perguntavam como eu estava, mas falavam para eu cuidar dela. Eu estou fazendo isso até hoje.

Eu não falo, não choro, apenas dou toda a minha atenção para minha mãe. No início foi muito difícil para ela, mas depois de seis meses ela já está lidando melhor com isso. Quando a minha mãe percebe que a minha irmã está mal por causa do papai, ela desmorona. Eu me sinto na obrigação de não a deixar ficar mal. Nesse meio tempo, várias pessoas já me chamaram de insensível, me acusaram de não ligar pro meu pai e de não me importar. Só eu sei como me sinto. E é horrível.”

NOTA DA EDIÇÃO: A reportagem tentou contato com Vandressa para saber, em maiores detalhes, como foi o processo de enterro de seu pai nas valas coletivas de Manaus. Ela ainda não se sente pronta para falar sobre o assunto.

Além das etnias
Do norte ao sudeste
Mais que uma perda
Vandressa + Leivo

Recomeços

“Ressignificar é sentir o que precisa ser sentido, mas também fazer algo por você.” Durante um momento de luto é difícil compreender o significado do verbo recomeçar. Afinal, como vai ser o dia seguinte? O primeiro aniversário, natal, Dia dos Pais e Dia das Mães? Dentro desta incompreensão, há a falsa ideia de que recomeçar é não sentir mais dor. Soma-se a isso o momento pandêmico e temos um recomeço cada vez mais distante.

Para aliviar esta tensão, a saída é se permitir sentir. Entender que a vida é uma montanha russa de sentimentos. Ainda mais no momento que vivemos em que os dias parecem iguais. Por isso, fazer algo por si é uma forma de se adaptar à nova rotina. Este é um passo para o recomeço.

 

É isso que defende a psicóloga de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, Patrícia Freiten. Ela fala conosco exatamente sobre recomeços. Além de mestrado e doutorado na área da educação, Patrícia tem formação em Tanatologia – ciência que visa entender o processo da morte e do luto em seus aspectos biológicos e psicológicos.

“O recomeço fundamentalmente ligado à perda de um ente querido para a Covid-19 envolve inúmeros fatores e traz à tona outros sentimentos”, explica. O momento traz aspectos inéditos como a impossibilidade de realizar atos fúnebres e a sensação de não ter se despedido do ente perdido.

A psicóloga reforça a necessidade de permitir-se sentir o que precisa ser sentido. Fazer algo por você, mesmo que aos poucos, como terapia, exercícios físicos ou outra atividade que faça a pessoa se sentir bem. “Ressignificar é um processo contínuo, e nem sempre conseguimos nos fortalecer sozinhos. Por isso, é importante pedir ajuda e oferecer apoio a alguém que esteja passando por um momento semelhante”, afirma.

“Não temos como apagar isso, porque isso faz parte da nossa história, de quem nós somos.” Recomeçar é permitir, através de um fim, a continuação da vida. É permear as lembranças sem que haja a necessidade de sobrepor nada e nem ninguém. Se deixar levar dentro desta montanha russa de emoções.

Encarar a pandemia e o luto como parte da nossa história. É com este sentimento que a reportagem “O Vínculo Entre Nós” encerra este trabalho – e quem sabe, você também.

Ouça todos os episódios!

Recomeços

Equipe

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